João Bosco
Membro da Academia Literária
Madrinha: Heloísa Graddi
João Bosco Soares dos Santos.
Rodelas – Bahia.
Patrono
Castro Alves
Castro Alves, também conhecido como “o poeta dos escravos”, está registrado na história da literatura brasileira como um dos poetas mais engajados na luta contra a escravidão. Integrante da terceira geração do romantismo, voltada às questões sociais, é autor do famoso poema “O navio negreiro”, em cujos versos sobressaem-se a indignação quanto à desumana condição a que eram submetidos os negros trazidos à força da África. Apesar do tom social de sua poesia ser sua marca registrada, o autor também notabilizou-se pelo tom amoroso.
Antônio Frederico de Castro Alves, nasceu em 14 de março de 1847, na pequena Curralinho, no interior da Bahia; hoje, em homenagem ao filho ilustre, essa cidade do recôncavo baiano tem como batismo o nome com o qual se eternizou o poeta romântico: Castro Alves.
Vivenciou a infância nessa localidade até ingressar, em 1854, no Ginásio Baiano, importante instituição de ensino de Salvador, onde cursou o colegial. Posteriormente a essa formação básica, ingressou, com 16 anos de idade, na Faculdade de Direito de Recife, em Pernambuco. Nesse ambiente acadêmico, entrou em contato com intelectuais que defendiam a causa abolicionista, a qual permeou sua produção poética.
Apaixonou-se, ainda nesse contexto universitário, pela atriz portuguesa Eugênia Câmara (1837-1874), para quem escreveu, em 1867, o texto dramático Gonzaga ou a Revolução de Minas, encenado em Salvador, cidade para onde regressou sem concluir o curso superior.
Em 1868, após breve passagem pela capital baiana, instalou-se em São Paulo com o objetivo de concluir o bacharelado iniciado no Nordeste. Na capital do Sudeste, estabeleceu contato com importantes intelectuais, como Rui Barbosa (1849-1923) e Joaquim Nabuco (1849-1910).
Permaneceu pouco tempo na capital paulista, pois, em razão de um acidente de caça, prática de que tinha o hábito, retornou à Bahia com o pé gravemente machucado. Apesar de ter sido operado, sua saúde fragilizou-se a tal ponto que desenvolveu um quadro de tuberculose, o qual não conseguiu resistir, falecendo em 1871, aos 24 anos de idade.
Contexto histórico da produção de Castro Alves
Castro Alves foi um poeta muito consciente do contexto social e político do século XIX. Era um entusiasta da luta pela liberdade e pela justiça, conceitos necessários em um país ainda marcado pelo regime escravocrata.
Integrou a terceira geração da poesia romântica, formada por poetas ligados à corrente condoreira ou hugoana, como também é chamada essa geração literária por ter recebido influência do escritor francês Victor Hugo (1802-1885), em cujas obras o teor social manifesta-se de forma contundente, principalmente no romance Os miseráveis (1862).
Os condoreiros, comprometidos com a causa abolicionista e republicana, desenvolveram uma poesia voltada à exterioridade social, tendo como finalidade convencer o leitor da pertinência da causa defendida nos seus versos.
Ainda muito jovem, Castro Alves foi um admirador dos movimentos progressistas anteriores ao seu nascimento, como a independência da Bahia, ocorrida entre 1822 e 1823, e a revolta dos negros de Palmares, liderada por Zumbi (1655-1695), ocorrida entre 1694 e 1695. Além disso, viu com entusiasmo a imprensa, surgida no país, no início do século, a partir da vinda da Família Real para o Brasil, em razão de tornar-se um importante meio difusão dos ideais libertários que agitaram todo o século XIX.
Obras de Castro Alves
Considerado como a última grande voz da poesia do romantismo, Castro Alves, apesar de ter morrido muito jovem, aos 24 anos, deixou uma obra significativa:
- As espumas flutuantes (1870);
- A cachoeira de Paulo Afonso (1876);
- Os escravos (1883);
- Obras completas (1921), em que consta o livro inédito Hinos do Equador.
“O navio negreiro”
O extenso poema “O navio negreiro”, que faz parte da obra Os escravos (1883), é uma das mais contundentes críticas já feitas no plano literário, no Brasil, à realidade de uma nação que foi uma das últimas a pôr fim na prática do trabalho escravo.
“Navio negreiro”, pintado por Rugendas.
Nesse poema são construídas imagens que remetem o leitor ao cenário desumano a que a população negra era submetida quando traficada da África para o Brasil. Essa prática persistiu no país mesmo após a aprovação da Lei Eusébio de Queirós, em 4 de setembro de 1850, a qual proibia a entrada de africanos escravizados. Dividido em seis partes, observa-se em cada uma delas um enfoque que contribui para a apresentação dessa triste passagem da história brasileira.
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Parte I
Constituída por 11 estrofes, cada uma com quatro versos, essa parte do poema serve ao eu lírico para que ele situe o leitor no espaço marítimo, onde transcorre as ações evocadas, como se nota no seguinte trecho:
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
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Parte II
Quatro estrofes, de 10 versos cada, compõem a segunda parte de “O navio negreiro”, momento do poema em que o eu lírico detém-se na tripulação de marinheiros que trabalha no navio, oriunda de diversas localidades da Europa.
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
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Parte III
Na terceira parte, composta por uma única estrofe de seis versos, o eu lírico inicia a exposição do quadro grotesco que se desenrola nos porões do navio:
Mas que vejo eu aí… Que quadro d’amarguras!
É canto funeral! … Que tétricas figuras! …
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Parte IV
Seis estrofes compõem a quarta parte de “O navio negreiro”. Nela, a voz poética intensifica a descrição das cenas desumanas a que eram submetidos os negros trazidos à força da África:
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
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Parte V
Nesta parte do poema, formada por nove estrofes, cada uma com 10 versos, o leitor é remetido ao contraste entre a vida dos negros africanos em seu lugar de origem e a degradação do porão do navio, como ilustram os versos seguintes:
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje… o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar…
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Parte VI
As imagens construídas na última parte do poema, constituída por três estrofes de oito versos cada, servem como um questionamento ao país que se prestou a compactuar com a infâmia do process escravocrata:
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Acesse também: Realismo – movimento literário que trouxe críticas sociais
Exemplos de poemas de Castro Alves
A temática abolicionista, registrada em “O navio negreiro”, perpassa outras obras poéticas de Castro Alves. Em “Vozes d’África”, por exemplo, longo poema da obra Escravos, a denúncia à escravidão apresenta-se em forma de súplica à justiça divina, como se evidencia nestas estrofes do poema:
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus? …
[…]
Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que se transformara em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais… irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p’ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito…
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!…
Nesse longo poema, cujas três estrofes exemplificam o tom que o perpassa do início ao fim, a África é alçada à condição de eu lírico. Essa personificação intensifica a denúncia à escravidão, já que o próprio continente clama a Deus ante a escravidão que vitima seus habitantes, os quais, em outros continentes, como a América, constituirão a principal força de trabalho.
O poema “As vozes d’África” continua, mesmo na contemporaneidade, ecoando como um grito em prol dos excluídos. Em 2017, por exemplo, os cantores e compositores Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes e Marisa Monte, integrantes do grupo Tribalhistas, compuseram a canção “Diáspora”, em que estabelecem um diálogo intertextual com esse a estrofe inicial de “Vozes d’África”. Ao estabelecer um paralelo com a atual crise de refugiados que afeta milhares de sírios, o grupo musical brasileiro explicita a atualidade da luta por justiça social tão recorrente na poesia de Castro Alves.
Mas não só de denúncia social é constituída a obra do poeta baiano. Em Espumas flutuantes (1870), observa-se poemas em que o eu lírico devota-se ao amor romântico, como se nota no famoso “O ‘adeus’ de Teresa”:
O “adeus” de Teresa
A VEZ PRIMEIRA que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus…
E amamos juntos… E depois na sala
“Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala…
E ela, corando, murmurou-me: “adeus.”
Uma noite… entreabriu-se um reposteiro…
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus…
Era eu… Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa…
E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”
Passaram tempos… sec’los de delírio
Prazeres divinais… gozos do Empíreo…
…Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse — “Voltarei! … descansa! …”
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”
Quando voltei… era o palácio em festa! …
E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! … Ela me olhou branca… surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa! …
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”
Nesse poema, observa-se, nas primeiras estrofes, a imagem de uma mulher, Teresa, apresentada como objeto de desejo de um eu lírico masculino, algo muito comum nas obras produzidas durante o movimento romântico. Ao fim de cada estrofe, por exemplo, sua voz aparece formulando um “adeus” em resposta ao “adeus” expressado pela voz masculina. Nota-se, assim, que é ele o sujeito que determina os momentos de término e de volta do relacionamento.
Entrentanto, esse tom de submissão da figura feminina é quebrado na última estrofe, quando a voz de Tereza expressa um “adeus” a seu antigo amante, o eu lírico, não em resposta a um adeus dado previamente por ele, como aconteceu nas estrofes anteriores, mas como um adeus de despedida de alguém que escolheu trilhar seu caminho junto a outra pessoa e que, por isso, põe fim, definitivamente, na relação amorosa.
Essa vertente lírico-amorosa, presente em Espumas flutuantes, embora não seja a marca crucial da poesia de Castro Alves, é prova de que o “poeta dos escravos”, cujo lirismo voltou-se contundentemente à luta por justiça social, tão necessária no século XIX e ainda hoje, também soube voltar-se à interioridade subjetiva. Castro Alves, portanto, foi um grande poeta.