Cadeira 49: Rosa Chaves

Rosa Chaves

 

 

Membro da Academia Literária
Padrinho: Luiz Gonzaga Maia

 

 

Rosa Maria Chaves Pinto Nunes, nasceu na cidade de Apodi-RN no dia 17 de Abril de 1970. Filha do agricultor e pecuarista Francisco Sales Pinto (in memoriam) e da dona de casa Rosa Cândida Chaves Pinto. Casada com Francisco Nunes Pereira e mãe de Murillo Pinto Nunes. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN no ano de 1995 e Pós Graduada em Gestão e Coordenação Escolar pela Faculdade do Vale do Jaguaribe – FVJ no ano de 2011. Professora da Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte – SEEC/RN desde o ano de 1990. Exerce a função de Professora Regente de Biblioteca na E E Zenilda Gama em ApodiRN. Participou dos cordéis coletivos: Vidas Negras Importam (El Gorrión); 100 Anos de Paulo Freire (Ana Reis e Bernadete Couto); Festival Virtual Vamos Fazer Poesia em 2020 e Nosso Brasil Precisava de uma Grande Academia (Iranildo Marques). E também das coletâneas I, II e III da ALESPE, Sertão e Poesia em 2021, 2022 e 2023 (organizadas pelo poeta Amaurilio Sousa). É membro da Academia Virtual Clube da Poesia Nordestina e participou das edições: VIII, IX e X do Festival Vamos Fazer Poesia em 2021, 2022 e 2023, organizado pelo poeta Iranildo Marques. Participa do grupo virtual Poderosas do Cordel.

 

Patrona:

Zila Mamede

 

ZILA MAMEDE, nasceu em Nova Palmeira, na Paraíba, em 1928. É expressão máxima da poesia potiguar do século XX. Foi lida e admirada por grandes poetas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto. Faleceu em 1985, enquanto nadava na Praia do Meio, costa litorânea, próxima ao Forte dos Reis Magos, em Natal, Rio Grande do Norte.
ROSA DE PEDRA (1953):
CANÇÃO DA ROSA DE PEDRA
Essa, a rosa da promessa
da noite do nosso amor,
murcha rosa indiferente,
sem alma, escassa de olor?
Por que essa rosa de pedra,
o meu presente nupcial?
– Pantanosa flor de lama
gerada em brisas de sal.
O riso da minha infância,
gritam-no abismos de sangue
onde boia impura, incauta,
flor de pedra, flor de mangue.
A vã promessa incumprida
na noite do nosso amor
repousa em praias de sombra
navega em mares de dor.
SALINAS (1958):
ELEGIA
Não retornei aos caminhos
que me trouxeram do mar.
Sinto-me brancos desertos
onde as dunas me abrasando
tarjam meus olhos de sal
dum pranto nunca chorado,
dum terror que nunca vi.
Vivo hoje areias ardentes
sonhando praias perdidas
com levianos marujos
brincando de se afogar,
com rochedos e enseadas
sentindo afagos do mar.
Tudo perdi no retorno,
tudo ficou lá no mar:
arrancaram-me das ondas
onde nasci a vagar,
desmancharam meus caminhos
– os inventados no mar:
depois, secaram meus braços
para eu não mais velejar.
Meus pensamentos de espumas,
meus peixes e meu luar,
de tudo fui despojada
(até das fúrias do mar),
porque já não sou areias,
areias soltas de mar.
Transformaram-me em desertos,
ouço meus dedos gritando
vejo-me rouca de sede
das leves águas do mar.
Nem descubro mais caminhos,
já nem sei também remar:
morreram meus marinheiros,
minha alma, deixei no mar.
Pudessem meus olhos vagos
ser ostras, rochas, luar,
ficariam como as algas
morando sempre no mar.
Que amargura em ser desertos!
Meu rosto a queimar, queimar,
meus olhos se desmanchando
– roubados foram do mar.
No infinito me consumo:
acaba-se o pensamento.
No navegante que fui
sinto a vida se calar.
Meus antigos horizontes,
navios meus destroçados,
meus mares de navegar,
levai-me desses desertos,
deitai-me nas ondas mansas,
plantai meu corpo no mar.
Lá, viverei como as brisas.
Lá, serei pura como o ar.
Nunca serei nessas terras,
que só existo no mar.
CANÇÃO DO AFOGADO
Nos olhos de cera
dois pingos de vida,
nas marcas de vida
a noite pisou.
A face tranquila
bordada de sombras
– são restos de estrelas
que o céu apagou.
Os dedos lilases
não pedem mais sol;
e os lábios desfeitos
perderam seus gestos,
calaram seus sonhos
que a morte levou.
Cabelos de musgos
lavados de espumas
caminha o afogado
que o mar conquistou.
RETRATO
Me lembrava da menina
escavacando o chão agreste,
me lembrava do menino
carregando melancias.
Em que terras desembocam
esses talos de crianças
mais finos que as maravalhas,
mais fortes que a ventania?
Dois pés descobriram casa,
multiplicaram-se em hastes
– são cabeleiras de trigo
dos moinhos de Van-Gogh.
A sombra dos dois irmãos
repartiu-se entre os veleiros:
seu tronco desarvorado
virou estrelas no mar.
O ARADO (1959):
TRIGAL
Por entre noite e noite, essas veredas
para os trigais maduros me acenando.
Despertam-se campinas, precipitam-se
as invenções da luz na ventania.
Por entre lua e lua, essa querência
– um resmungar de espigas conscientes
do retorno às searas, que ceifeiros
já descerraram olhos invernais.
Planície enlourecendo se oferece
e um mar desenha nos pendões crescentes.
Ceifeiros – seus marujos sem navios –
pescam sementes, riscam no amarelo
a saudade dos peixes inascidos
nesse (não mar das águas) mar de pão.
MILHARAIS
Nos milharais plantados (minha infância),
recém-nascidas chuvas pelos rios
que rebentavam adubando várzeas
onde meus pés-meninos se afundavam
no cheiro fofo do paul novinho.
Terra multipartida, covas conchas,
das mãos do meu avô descendo o grão.
Pela manhã íamos ver as roças
à superfície frutos devolvendo
– folhinhas enroladas, verde calmo
se desfiando ao sol, em sol, de sol.
Quando escorriam outros aguaceiros
os dedinhos do milho iam subindo
em vertical, depois abrindo os braços
e já mais tarde o milharal surgia
os pendões leques leves abanando
o triunfal aceno da chegada.
E vinha logo a quebra das espigas,
eu chorava de pena, elas dobravam-se
por sobre o caule, tesas deslizando
no chão, nos aventais apanhadores,
sua palha entreaberta – riso triste
de quem, nascido, vê-se morto infante,
pois sendo espigas tenras, de repente
logo viravam massa, logo, pão.
Eu as tomava com temor doçura,
trançava seus cabelos, embalava-as:
eram espigas não, eram bonecas
que me aqueciam, eu as maternava
lavando-as, penteando-as, libertando-as
de gumes de moinhos e de fomes
dos animais domésticos, ancinhos,
fogueiras de São João. Pelos terreiros
procuro em vão os milharais vermelhos
de vermelhas papoulas adornando
as vaidosas tranças das espigas –
bonecas brancas, minha meninice,
meu avô habitando agora um campo
onde ele, em vez do milho, é uma semente,
meu avô, minha avó, os milharais,
não tendo mais infância, tenho-a mais.
EXERCÍCIO DA PALAVRA (1975):
MÃE
A mulher fia o filho
No silêncio do corpo
inaugura-se: mãe.
O ventre: curvatura de sol
levantando-se
em mansidão de horizonte.
De si própria se esquece:
tecelã da rosa que já aflora
em crescimento lento
no seu sangue.
BALADINHA
DA VARANDA DO APARTAMENTO
DE ODILON RIBEIRO COUTINHO,
NUMA FESTA
ONDE PIXINGUINHA REINAVA
As cores e tua fala
na varanda solidão
deixei que a noite morrente
repousasse em tua mão
Um vale remanhecido
põe nevoeiro em teus cabelos
nas cores a madrugada
explicando-me navegos
Subida montanha, linhas
nas cores de tua face:
letra morta despedida
dos azuis que abandonei
De dentro dos teus acordes
um cavalo disparou:
por sobre os vãos dos teus olhos
rosamanhã me levou.
CORPO A CORPO (1978):
ONDE
Entre a ânsia
  e a distância
  onde me ocultar?
Entre o medo
  e o multiapego
  onde me atirar?
Entre a querência
  e a clarausência
  onde me morrer?
Entre a razão
  e tal paixão
  onde me cumprir?
A HERANÇA (1984):
HERMELINDA NO ESPELHO
O rosto exige unção de creme nutritivo
textura de loção hidratante
sedosidade de sabão adstringente
O rosto seleciona cores de potes,
formatos de tubos e de frascos
na concorrência das embalagens
que se oferecem em fiteiros e vitrines
– o chamariz harmônico e ofuscante
do gás neón, luz fria, candeeiros
Espelhos salientam abusivos olhos
pincéis acentuam a descritiva sensual dos lábios
dedos massageiam impiedosas geometrias
                        [de pescoços e colos
Sacralizados em banheiros e termas
multíplices cosméticos realimentam
as vibrações do rosto que exorciza o tempo.

 

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